Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.
Notícias

Diesel Russo: Negócio Bilionário no Brasil Preocupa EUA e Ameaça Inflação

Desde a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Brasil importou cerca de US$ 13 bilhões em diesel russo. Isso coloca o país numa situação delicada, já que a Rússia atualmente fornece 60% do diesel consumido aqui. A situação tá tão tensa que o governo e empresários do setor temem retaliações americanas, principalmente depois da Casa Branca impor tarifas de 50% sobre produtos indianos por conta da compra de combustíveis russos pela Índia, anunciadas na quarta-feira (6/8).

A preocupação é real: sanções contra as importações brasileiras podem desequilibrar o mercado, encarecer o combustível e inflacionar a economia. Olha só: a importação maciça de diesel russo começou no governo Bolsonaro e continuou forte durante a gestão Lula. O Brasil, diferentemente de EUA e União Europeia, nunca aderiu às sanções contra a Rússia, principalmente por conta da dependência do agronegócio brasileiro de fertilizantes russos. Antes da guerra, os EUA eram os principais fornecedores de diesel, mas com as sanções e a alta dos preços, o diesel russo, mais barato, se tornou irresistível.

Segundo o Centro para Pesquisas em Energia e Ar Limpo (CREA), organização não-governamental de Londres, o Brasil é o quinto maior importador de derivados de petróleo russos, mesmo sem dados oficiais da Rússia. A BBC News Brasil solicitou informações ao governo brasileiro, mas não obteve resposta.

O Brasil, apesar de autossuficiente em petróleo, não tem capacidade de refino suficiente para suprir sua demanda. A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) aponta que o país produz apenas 70% do diesel que consome. Antes da guerra, os EUA forneciam 49% do diesel importado. Aí, a situação mudou completamente.

A aproximação entre Bolsonaro e Putin, inclusive com um encontro em fevereiro de 2022, uma semana antes da invasão, foi crucial. Bolsonaro chegou a chamar a relação entre os dois países de “casamento perfeito”. Com os mercados europeus fechados, a Rússia precisava de novos compradores, e o Brasil se tornou uma opção atraente com preços mais baixos. Na real, o próprio governo Bolsonaro incentivou as empresas brasileiras a buscar o diesel russo, segundo Sérgio Araújo, presidente-executivo da Abicom.

Essa decisão gerou um debate ético: financiar a guerra na Ucrânia ou garantir o abastecimento do Brasil? Araújo ressalta que as camadas mais vulneráveis da população seriam as mais afetadas por uma eventual falta de diesel. Inicialmente, empresas menores (“minors”) lideraram a importação, seguidas pelas gigantes (“majors”). Bolsonaro, em postagens nas redes sociais, chegou a anunciar a chegada de diesel russo ao Porto de Santos em outubro de 2022.

Após as eleições, com Lula no poder – que também mantém uma relação próxima com Putin –, as importações explodiram. De US$ 16,9 milhões em 2021, saltaram para US$ 95 milhões em 2022 e, em seguida, para US$ 4,5 bilhões, um aumento absurdo de 4.664%. Até julho de 2023, já eram US$ 3 bilhões, totalizando US$ 13 bilhões desde o início da guerra. Em 2021, a Rússia respondia por 0,2% das importações; hoje, representa 58,9%.

A postura de Lula, assim como a de Bolsonaro, de não condenar diretamente a invasão da Ucrânia, e até mesmo críticas a Zelensky e aos EUA, geraram controvérsias. Sua visita a Putin em maio de 2023, onde destacou a importância do diesel russo para o Brasil, alimentou ainda mais as críticas.

As maiores importadoras de diesel russo no Brasil entre janeiro e junho de 2023 foram: Vibra Energia e Vibra Trading, Refinaria de Manguinhos (Refit), Oil Trading (Ipiranga/Ultra), Blueway Trading (Raízen) e Nimofast. Juntas, elas importaram 58% do diesel russo. A ANP, questionada pela LAI, não forneceu dados de anos anteriores.

Empresas como Vibra, com ações em São Paulo e Nova York e acionistas internacionais como o BlackRock, hesitaram inicialmente, mas a pressão do mercado as levou a importar diesel russo. Raízen (com a Shell como acionista) e Ultra (com o BlackRock e o Canada Pension Plan Investment Board como acionistas) também estão envolvidas.

Questionadas, Vibra e Raízen não comentaram; Nimofast não respondeu; Ipiranga e Refit afirmaram cumprir as leis e regulamentações. BlackRock, Shell e Canadian Pension Investment Board também não se manifestaram.

A possibilidade de o Brasil sofrer sanções foi mencionada pelo secretário-geral da OTAN, Mark Rutte. Isaac Levi, do CREA, acredita que o Brasil pode ser o próximo alvo, principalmente por não ter fechado acordos comerciais com os EUA. Anthony Pereira, da Universidade Internacional da Flórida, considera o cenário imprevisível, mas alerta para a necessidade de o Brasil se preparar. Ele também questiona a eficácia das sanções em pressionar a Rússia e sugere que os interesses econômicos dos EUA podem ser o principal motivador.

Um diplomata, em off, confirmou a preocupação do governo brasileiro, mas destacou o foco atual na mitigação dos efeitos das tarifas de 50% já em vigor sobre produtos brasileiros. Um projeto de lei nos EUA prevê tarifas de até 500% para países que compram petróleo russo, aumentando a apreensão. Sérgio Araújo (Abicom) e Igor Conde (Transatlância) alertam para os impactos econômicos de uma eventual ruptura no fornecimento de diesel russo. Conde conclui, ironicamente, que o diesel russo foi importante tanto para Bolsonaro quanto para Lula, em momentos distintos de seus mandatos.

Fonte da Matéria: g1.globo.com