No fim da tarde de 12 de agosto de 1985, Hirotsugu Kawaguchi, 52 anos, escreveu uma carta comovente. Não para o correio, mas para seus filhos e esposa, prevendo sua morte iminente no voo 123 da Japan Airlines. “Mariko, Tsuyoshi, Chiyoko, sejam bons uns com os outros e trabalhem duro. Ajudem a sua mãe. É triste, mas tenho certeza de que eu não vou sobreviver…”, escreveu ele. A carta, encontrada junto ao seu corpo, é um dos muitos “isho” (notas de despedida) deixados pelos passageiros daquele voo fatídico.
Imagina só: um feriado se aproximava no Japão, e os aeroportos estavam lotados. O voo 123, entre Tóquio (Haneda) e Osaka (Itami), operado por um Boeing 747-SR, um Jumbo Jet adaptado para voos curtos no mercado japonês, levava 524 pessoas – 509 passageiros e 15 tripulantes. Na cabine, o experiente comandante Masami Takahama, 49 anos, e o copiloto Yutaka Sasaki, 39, em treinamento final para comandante, dividiam as responsabilidades. O engenheiro de voo Fukuda Hiroshi, 46, completava a tripulação. (Vale lembrar que a função de engenheiro de voo é coisa do passado na aviação comercial atual, graças à automação).
Tudo parecia normal na decolagem, às 18h. Mas às 18h24, 12 minutos depois, sobre a baía de Sagami, o avião sofreu uma descompressão explosiva na cauda. Um estrondo ensurdecedor, máscaras de oxigênio caindo… o pânico se instalou. O código 7700, sinal de emergência, foi acionado. Takahama tentou retornar a Haneda, mas o avião não respondia aos comandos. A caixa-preta revelou a terrível verdade: os quatro sistemas hidráulicos estavam totalmente inoperantes.
Os pilotos, na cabine, não tinham ideia do que aconteceu atrás. A explosão na cauda havia arrancado o leme e quase todo o estabilizador vertical. Uma tragédia inimaginável! Cada Boeing 747 possui tripla redundância em sistemas essenciais, mas os quatro conjuntos hidráulicos estavam próximos demais na cauda, um fator que contribuiria para outro acidente famoso, o voo United 232 (leia a reportagem completa no g1).
Sem o sistema hidráulico, o 747 ficou incontrolável. Cinco minutos após a explosão, uma comissária relatou algo estranho na parte traseira, pensando que era uma porta do compartimento de carga. Na verdade, era muito mais grave. O avião sofria de “movimento fugoide” (oscilação vertical do nariz) e “rolamento holandês” (oscilação lateral), como um barco em tempestade. A náusea se espalhava entre os passageiros.
A torre de controle sugeriu um pouso em Nagoya, mas Takahama optou por Haneda, com sua pista maior e melhores recursos de emergência. A comunicação, inicialmente em inglês, mudou para japonês para facilitar a comunicação. Mas por volta das 18h33, algo preocupante: o engenheiro de voo sugeriu duas vezes que a tripulação colocasse as máscaras de oxigênio. A hipóxia, falta de oxigênio no cérebro devido à altitude (24 mil pés, mais de 7,3 km), começava a afetar os pilotos. Infelizmente, eles não as usaram até o fim.
Fukuda, em uma frequência de rádio exclusiva, informou erroneamente que a descompressão era por causa de uma porta. O silêncio e a confusão se instalaram na cabine. Sasaki, porém, usou as manetes de potência para controlar a trajetória, tentando, por tentativa e erro, estabilizar a altitude e fazer uma curva para Haneda. Eles baixaram o trem de pouso, mesmo longe da pista, para desacelerar e descer, melhorando a respiração.
Por volta das 18h45, a hipóxia pareceu diminuir. “Aeronave incontrolável”, transmitiram para a torre. Takahama comentou com seus colegas: “Pode ser que não tenha volta”. As tentativas finais de recuperação foram desesperadas: potência máxima nos motores, mas o movimento fugoide piorou. Uma tentativa de usar os flaps (dispositivos de asa para aumentar a sustentação) falhou. Às 18h56, 32 minutos após a descompressão, o 747 se chocou contra uma montanha, explodindo.
A região era próxima a uma base militar americana, mas as autoridades japonesas interromperam o resgate inicial. Só ao amanhecer, equipes encontraram quatro sobreviventes, todas mulheres, incluindo uma comissária que estava como passageira. Seu relato impactante – ela ouviu vozes de outros sobreviventes durante a noite – mudou os protocolos de resgate para sempre. Agora, as operações começam imediatamente após qualquer desastre, sem esperar pela confirmação de sobreviventes.
A tragédia do voo 123, com 520 mortos, abalou o mundo. A investigação apontou para um reparo malfeito na cauda do avião, em 1978, após um incidente em Itami. Uma única fileira de rebites, em vez das duas necessárias, no anteparo de pressão traseiro, causou a catastrófica falha. O Boeing 747 havia excedido o limite de ciclos de decolagem e pouso para esse tipo de reparo (12.319 ciclos, contra 10.000 estimados).
A Japan Airlines sofreu profundamente. Seu presidente renunciou. Um mês depois, o diretor de manutenção morreu em um incidente considerado suicídio. Dois anos depois, um engenheiro envolvido no caso também tirou a própria vida. A tragédia do voo JAL 123 deixou marcas profundas, resultando em revisões nas normas de manutenção e reparo de aeronaves em todo o mundo.
(Esta reportagem faz parte de uma série do g1 sobre acidentes e incidentes aéreos. Leia também sobre o desastre do Concorde, o voo British Airways 009, o voo TAP 131, o Iran Air 655, o desastre de Charkhi Dadri, o “planador de Gimli” (Air Canada 143) e o “pouso impossível” (United 232).)
Fonte da Matéria: g1.globo.com