A tensão entre Brasil e EUA, já alta por causa da ameaça de tarifas americanas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, esquentou ainda mais. O motivo? Minérios. Na real, uma verdadeira briga geopolítica por recursos estratégicos.
Em Minas Novas (MG), na quinta (24), o presidente Lula disparou uma defesa ferrenha da soberania mineral brasileira durante evento do governo federal. “Nosso ouro, nossos minerais… ninguém põe a mão! Este país é do povo brasileiro!”, bradou Lula, mandando um recado claro para os americanos: “Respeitem o povo brasileiro como eu respeito o povo americano”.
A bronca toda começou depois que Gabriel Escobar, encarregado de negócios da Embaixada americana no Brasil, manifestou o interesse dos EUA em minerais estratégicos brasileiros numa reunião com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). O presidente do Ibram, Raul Jungmann, foi direto: negociações desse tipo devem ser entre governos, não com empresas privadas.
Essa discussão acontece em paralelo às negociações sobre as tarifas americanas anunciadas por Donald Trump, mas faz parte de um jogo muito maior: a disputa global por recursos vitais para as tecnologias do futuro.
**Uma corrida frenética por minérios**
Lítio, nióbio, cobre, manganês e, principalmente, terras-raras estão no centro dessa disputa acirrada. Esses minerais são essenciais para carros elétricos, painéis solares, equipamentos militares de última geração e até smartphones. São a base da transição energética, o que explica o interesse bilionário e as disputas territoriais.
A demanda, segundo a UNCTAD (agência da ONU), vai explodir: um crescimento de 1.500% até 2050! A produção atual não chega perto de suprir essa necessidade.
**Terras-raras: o tesouro escondido**
Terras-raras não são tão raras assim, mas são difíceis de extrair. Esses 17 elementos estão em tudo: celulares, telas, turbinas eólicas, carros elétricos, painéis solares e até mísseis.
Julie Klinger, geógrafa e especialista em mineração, explicou à BBC Reel em março de 2025 a importância desses elementos: “Suas propriedades magnéticas e de condutividade permitiram a miniaturização da eletrônica, tornando computadores do tamanho de celulares. Além disso, eles permitem veículos mais leves e resistentes”.
O setor militar também depende muito das terras-raras. A OTAN, por exemplo, listou 12 minerais críticos para a produção de armas, incluindo terras-raras, dizendo que o abastecimento é “vital para manter a vantagem tecnológica”.
E Trump está de olho nisso. Em março, ele assinou um decreto para aumentar a produção americana de minerais críticos e terras-raras. O governo americano já demonstrou interesse em mineração na Groenlândia, Ucrânia, Rússia, República Democrática do Congo e agora, no Brasil.
Os EUA dependem muito da importação desses minerais, enquanto a China domina o mercado: 60% da produção global e 90% do refinamento, segundo a Agência Internacional de Energia. Olha só o exemplo da Ucrânia: Trump condicionou apoio militar à exploração de terras-raras ucranianas. “Eles têm muitas terras-raras, e fizemos um acordo para começar a extrair”, declarou Trump.
**Brasil: um gigante adormecido?**
O Brasil tem um papel importante nesse jogo. O relatório U.S. Mineral Commodity Summaries estima que o país tenha até 23% das reservas mundiais de terras-raras. Sidney Ribeiro, professor da Unesp, explica que o Brasil tem décadas de pesquisa na área e já extrai terras-raras em Minas Gerais e Goiás. Mas a produção é pequena (menos de 1%), pois muitas reservas estão em áreas como a Amazônia. O desafio é aproveitar esse potencial sem prejudicar a floresta.
Além das terras-raras, o Brasil detém grandes reservas de nióbio, um metal leve e resistente a altas temperaturas, usado em diversas aplicações, de siderurgia a mísseis hipersônicos. O Brasil concentra cerca de 92% da produção mundial. Jair Bolsonaro já o defendia como recurso estratégico. A China é o maior consumidor, mas os EUA são o quarto maior importador, tendo recebido cerca de 66% do nióbio brasileiro entre 2020 e 2023 (83% do óxido de nióbio e 66% do ferronióbio), segundo o USGS (Serviço Geológico dos EUA). A importação americana cresceu de 7,1 mil toneladas em 2020 para 10,1 mil em 2023. Devido à concentração das jazidas no Brasil, o nióbio foi considerado pelo USGS o segundo recurso mineral mais crítico para os EUA em termos de risco na cadeia de suprimentos.
**Neocolonialismo no século XXI?**
Enquanto os EUA buscam novas fontes, Rússia e China também estão na disputa. Moscou quer aumentar a produção para reduzir importações em 15% até 2030, e Putin também mira projetos em países aliados na África. A China também investe em projetos de mineração na África.
Muitos analistas veem essas ações como neocolonialistas: exploração de recursos sem levar desenvolvimento econômico e social para as regiões. A UNCTAD alerta sobre a dependência da exportação de commodities, que pode criar armadilhas socioeconômicas, como as enfrentadas por países dependentes do petróleo. “Essa dependência impede o desenvolvimento econômico e perpetua desigualdades”, diz o relatório.
O mundo precisará investir até US$ 450 bilhões em minerais críticos até 2030, segundo a ONU. Algumas soluções são: otimizar a mineração existente, explorando terras-raras presentes em resíduos de outras minas (como apontou Julie Klinger), e a reciclagem de lixo eletrônico (a “mineração urbana”, como destaca Sidney Ribeiro).
A disputa por esses minerais só tende a aumentar, dentro e fora das fronteiras. A ONU estima que 40% dos conflitos intra-Estados nas últimas décadas estão ligados a recursos naturais, incluindo minérios. A briga pelas terras-raras, portanto, é só o começo.
Fonte da Matéria: g1.globo.com