O governo federal usou, novamente, um truque para fechar as contas em 2024: receitas extraordinárias. Isso mesmo, pelo segundo ano seguido, o Executivo recorre a recursos inesperados para atingir as metas fiscais e liberar verbas para a máquina pública. A estratégia, anunciada nesta semana, injetou R$ 20,6 bilhões no orçamento de 2025, principalmente graças à alta arrecadação do petróleo. Mas, na real, essa solução paliativa mascara um problema maior: a lentidão nas reformas de gastos estruturais.
Que receita extraordinária é essa? São granas que caem no colo do governo de surpresa, fora da previsão orçamentária normal. Podem vir de leilões de concessões (rodovias, aeroportos…), venda de ativos (imóveis, por exemplo) ou, como agora, do petróleo.
O governo, entre os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, liberou esses R$ 20,6 bilhões para gastos livres dos ministérios, mas, sabe?, a reforma dos gastos, tão necessária para o arcabouço fiscal, tá andando a passos de tartaruga.
O problema é que cortar gastos não tá sendo fácil. A maior parte do orçamento é destinada a despesas obrigatórias: aposentadorias, salários, benefícios sociais e repasses para estados e municípios. Essas despesas são definidas por lei e pela Constituição – não dá pra mexer nelas sem o aval do Congresso. Além disso, tem muita resistência a cortes, principalmente em setores como saúde, educação e programas sociais, muitos com pisos constitucionais.
E as despesas discricionárias, que o governo *pode* ajustar (investimentos em infraestrutura, por exemplo)? São pequenas demais para fazer uma diferença significativa no orçamento total. Ou seja, cortar aqui e ali não resolve o problema da dívida.
O arcabouço fiscal, aprovado em 2023, pretende controlar os gastos públicos com metas e gatilhos, buscando um equilíbrio financeiro. A ideia é segurar o crescimento da dívida pública, que já tá alta para os padrões de países emergentes. Com isso, espera-se controlar a inflação e os juros.
Mas, sem cortes nos gastos obrigatórios, a regra fiscal terá que ser revista nos próximos anos. Mesmo com a mudança nos precatórios (pagamentos de sentenças judiciais) aprovada pelo Congresso – que os retira das despesas primárias em 2026, incluindo-os gradualmente nas metas a partir de 2027 –, a situação continua delicada. Despesas primárias, vale lembrar, são os gastos antes do pagamento dos juros da dívida.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, crava: a equipe econômica segue apostando no aumento da arrecadação para ajustar as contas. “O governo conta com aumento de impostos e receitas extraordinárias para cumprir a meta fiscal do ano. Mas, sem controlar os gastos, esse aumento de receita vira aumento de despesas no ano seguinte.” Ela destaca que o governo projeta um rombo de R$ 75 bilhões em 2024, longe, segundo ela, de uma consolidação fiscal. “Seria melhor ter mantido o contingenciamento”, acrescenta.
Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, vai na mesma linha: o governo tá usando “expedientes” como flexibilizações e receitas não-recorrentes para cumprir metas “pouco ambiciosas para a sustentabilidade da dívida”. As regras estão sendo cumpridas “graças às exceções”. Ele aponta que o governo já admitiu que não consegue buscar um resultado primário (antes dos juros da dívida) melhor, o que na prática levará a um rombo de quase R$ 80 bilhões em 2025, apesar da meta de zerar o déficit. O crescimento da despesa obrigatória, segundo ele, vai continuar atrapalhando o cumprimento do limite de gastos.
Flávio Roscoe, presidente da FIEMG, é direto: o caminho é cortar gastos e fazer ajustes estruturais. “Buscar receitas extraordinárias sem resolver as causas estruturais do desequilíbrio fiscal só adia os problemas e compromete a credibilidade do arcabouço.”
As receitas extraordinárias, como já dissemos, são esporádicas, não fazem parte da arrecadação regular. Em 2024, a meta era um déficit de 0,25% do PIB; este ano, zerar o rombo. Há uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB (cerca de R$ 30 bilhões) e o abatimento de precatórios. Com essas receitas extras, o governo libera recursos para gastos livres dos ministérios (administração, programas sociais, investimentos, emendas parlamentares…) sem fazer ajustes estruturais.
Em 2023, o governo computou cerca de R$ 40 bilhões em receitas extraordinárias (dividendos de estatais, renovação de contratos…), e em 2024, mais R$ 20 bilhões, principalmente devido a R$ 17,9 bilhões adicionais com exploração de recursos naturais do pré-sal.
Enquanto isso, a reforma de gastos estruturais anda devagar. O governo propôs conter supersalários e reformar a previdência militar, mas ambas enfrentam dificuldades no Congresso. O ministro Haddad diz estar aberto a cortes maiores, mas que é preciso diálogo com o Legislativo.
Economistas sugerem várias medidas para frear o crescimento dos gastos obrigatórios: reforma administrativa, nova reforma da previdência, revisão de gastos sociais e mudanças no abono salarial e seguro-desemprego. Há ainda propostas mais radicais, como a desindexação de benefícios do INSS e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) do salário mínimo, e revisão dos pisos da saúde, educação e Fundeb. Essas medidas poderiam gerar uma economia significativa em longo prazo, mas também poderiam ter um grande impacto social. O novo arcabouço fiscal precisa de ajustes estruturais, e o tempo urge.
Fonte da Matéria: g1.globo.com