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Crise Brasil-EUA: “Vai piorar antes de melhorar”, prevê brasilianista

A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, marcada por tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e revogação de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, não deve ter um final feliz tão cedo. Pelo menos é o que acredita o brasilianista Brian Winter, editor da revista Americas Quarterly. Em entrevista à BBC News Brasil, ele cravou: “Eu não vejo condições para um cessar-fogo agora. Na real, acho que vai piorar antes de melhorar.”

A situação, segundo Winter, que passou 10 anos na América Latina, vivendo em países como Brasil, Argentina e México, é tensa. O governo americano justifica as medidas como resposta ao suposto tratamento inadequado dado pelo Judiciário brasileiro ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu em processo criminal por tentativa de golpe de Estado – acusação que Bolsonaro nega veementemente. A prisão de Bolsonaro e a imposição de uma tornozeleira eletrônica na sexta-feira (18), somada à declaração de Donald Trump classificando o caso como “caça às bruxas”, só pioraram o clima.

Winter não vê espaço para recuo de Trump. Pelo contrário, ele espera novas sanções contra o Brasil ou autoridades brasileiras nos próximos dias. Para ele, dois fatores explicam a postura americana: o baixo custo político para Trump e a pessoalidade da questão.

“Minha impressão é que essa Casa Branca vê o Brasil como um alvo perfeito, de baixo custo. Eles veem pouco ou nenhum prejuízo para o presidente Trump nesse confronto”, afirma Winter. A segunda razão? Trump vê o caso Bolsonaro como um reflexo de sua própria situação nos EUA. Assim como Bolsonaro, Trump foi investigado por seu suposto papel na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, evento comparado ao 8 de janeiro de 2023 no Brasil. “O presidente Trump realmente parece ver essa luta como algo pessoal. Ele acredita que há paralelos quase perfeitos entre o que ele viu como uma perseguição criminal contra ele e o caso do presidente Bolsonaro.”

O pior, segundo Winter, ainda pode estar por vir. Uma eventual prisão de Bolsonaro, na visão dele, levaria Trump a usar “todas as ferramentas à sua disposição”.

Embora reconhecendo pontos a serem debatidos sobre o sistema político brasileiro, Winter rejeita a ideia de regime autoritário. “Não, eu não descreveria o Brasil como um regime autoritário. Eu o descreveria como uma democracia onde a liberdade de expressão foi restringida nos últimos anos de formas que, como americano, me causam desconforto.” Ele aponta a falta de diálogo entre os governos Lula e Trump como um agravante. “O Brasil tem uma embaixadora muito competente em Washington, mas, nos níveis mais altos, entendo que não houve muita comunicação entre os dois governos.”

O pessimismo de Winter é palpável. Ele não enxerga uma normalização das relações a curto prazo. Tanto nos EUA, com Trump aparentemente irredutível, quanto no Brasil, com o governo Lula e a oposição bolsonarista, há, segundo ele, um “certo entusiasmo por uma escalada do conflito. Ou, pelo menos, uma resignação de que ela é inevitável”.

Em trechos da entrevista, Winter detalha seus pontos de vista:

**BBC News Brasil:** O Brasil está sob ataque?

**Winter:** Não vejo condições para um cessar-fogo. Acho que vai piorar. Devemos ver mais sanções de Trump, e a crise pode se agravar com a possibilidade de prisão ou prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, algo que eu, estando em Brasília em junho, percebi ser a expectativa quase unânime antes do fim do ano, talvez já em agosto. Trump age como um pêndulo, e agora ele está em modo combate, com tarifas não só para o Brasil, mas para o mundo. A Casa Branca vê o Brasil como um alvo fácil. A família Bolsonaro parece ver o confronto como um caminho para a liberdade e talvez o poder em 2026, mesmo com prejuízos para o país. Lula também parece ver vantagens políticas nesse conflito. De todos os lados, sinto um entusiasmo pela escalada, ou a resignação de que ela é inevitável.

**BBC News Brasil:** Trump tomará mais medidas se Bolsonaro for preso?

**Winter:** Sem dúvida. Ele usará todas as ferramentas. As ameaças a Gustavo Petro, presidente da Colômbia, em janeiro, servem como exemplo: tarifas, fim do processamento de vistos e sanções econômicas. Trump vê a luta como pessoal, traçando paralelos entre o caso Bolsonaro e a sua própria situação. Não sei se há limites para o que ele pode fazer.

**BBC News Brasil:** O que Trump ganha com isso?

**Winter:** O objetivo é claramente anular as acusações contra Bolsonaro, usando o poder econômico dos EUA. Mas duvido que sanções consigam isso. Pode piorar a situação, mobilizando Lula, seus apoiadores e figuras importantes do Congresso em defesa da soberania nacional e da independência do judiciário brasileiro. As táticas podem prejudicar ainda mais a família Bolsonaro, mas não sei se a Casa Branca vê assim.

**BBC News Brasil:** Trump diz que o Brasil é autoritário. Isso é preciso?

**Winter:** Mesmo em tempos bons, é difícil para americanos entenderem o Brasil. As instituições brasileiras foram testadas, às vezes funcionaram bem, mas o STF nem sempre agiu de forma perfeita e apolítica. Há questões reais sobre algumas decisões de Alexandre de Moraes, levantadas inclusive por pessoas preocupadas com excessos, não só pela direita global. É um debate global sobre liberdade de expressão no ambiente digital. Não só o Brasil toma essas decisões. A Alemanha e a Inglaterra também. O Brasil não é para principiantes!

**BBC News Brasil:** O Brasil é um regime autoritário?

**Winter:** Não. É uma democracia onde a liberdade de expressão foi restringida nos últimos anos, de formas que me causam desconforto como americano. Mas reconheço que o sistema e a história do Brasil são diferentes, com sensibilidades específicas por conta do passado recente de ditadura.

**BBC News Brasil:** O Brasil foi afetado de forma desproporcional pela retórica e ações de Trump?

**Winter:** Sem dúvida. Trump tem uma postura mais dura contra o Brasil do que contra Venezuela ou Nicarágua. A explicação é a pessoalidade. É uma briga que Trump quer travar. É uma narrativa fácil: “Bolsonaro está sendo perseguido como eu fui”. Em confrontos com outros países, Trump geralmente venceu, e isso não aconteceu com o Brasil.

**BBC News Brasil:** Qual o papel de Eduardo Bolsonaro?

**Winter:** Ele fez um trabalho eficaz, com ajuda de outros brasileiros nos EUA, promovendo uma narrativa em Washington. Ele teve acesso aos centros de poder e é um comunicador eficaz. Mas não devemos superestimar seu papel. Há outros no universo Trump com experiências negativas com o Brasil, especialmente com Alexandre de Moraes.

**BBC News Brasil:** Lula contribuiu para o cenário atual?

**Winter:** Lula não pode, com um telefonema, encerrar as acusações contra Bolsonaro. Mas eu me pergunto se não deveria ter havido mais questionamentos sobre algumas decisões do STF, que testaram os limites do que é legal. Há dúvidas sobre decisões específicas, como a que restringiu o uso das redes sociais por Bolsonaro. Essas decisões são difíceis de entender nos EUA. Há também a falta de contato entre os governos Lula e Trump.

**BBC News Brasil:** Há caminhos para a normalização das relações?

**Winter:** Não. Não há clima de pacificação. Todos os lados no Brasil parecem querer escalar o conflito. Trump não quer desescalar. Talvez um pedido da família Bolsonaro convencesse Trump, mas eles não querem isso agora. O foco agora é conter os danos. Empresas privadas estão atuando nos bastidores.

**BBC News Brasil:** O governo brasileiro tem algo com que negociar?

**Winter:** É importante conversar. O governo de Claudia Sheinbaum no México é um exemplo de como negociar com Trump, mesmo em situações de risco maior. Sheinbaum evitou linguagem confrontacional e adaptou a retórica de Trump a um contexto mexicano. Há um caminho para o Brasil iniciar conversas, considerando os grandes mercados e a história de cooperação. Mas o principal ponto para Trump é o julgamento de Bolsonaro, e isso o governo Lula não pode discutir.

**BBC News Brasil:** Qual o interesse de Lula em aumentar a tensão?

**Winter:** Não quero exagerar, mas o governo parece ver vantagens políticas. É um governo com popularidade em queda, economia incerta. Pode ter visto paralelos com o Canadá, onde a interferência de Trump teve o efeito contrário do esperado. Se a briga continuar, será doloroso para a economia brasileira.

**BBC News Brasil:** Lula provocou Trump, especialmente na Cúpula dos Brics?

**Winter:** O Brasil deve tomar decisões soberanas, mas elas terão consequências. Trump foi claro sobre sua posição em relação a alternativas ao dólar. A Cúpula dos Brics e declarações de Lula recolocaram o Brasil no radar dele. Se isso foi do interesse nacional,

Fonte da Matéria: g1.globo.com