Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.
Notícias

British Airways 009: O Milagre Sobre o Oceano Índico – Como um Gigante dos Céus Escapou da Catástrofe

Na escuridão do Oceano Índico, uma noite de 24 de junho de 1982, o comandante Eric Moody, com sua calma inabalável, fez um anúncio que entraria para a história da aviação: “Senhoras e senhores, aqui é o comandante. Temos um pequeno problema. Os quatro motores pararam.” A frase, dita com a típica serenidade britânica, mas carregada de uma tensão latente, antecipava o que seria uma luta desesperada contra a fatalidade. Afinal, a bordo do Boeing 747-200 da British Airways, voo 009, estavam 263 pessoas – 248 passageiros e 15 tripulantes – prestes a viver momentos de terror.

Essa história, parte de uma série do g1 sobre acidentes e incidentes aéreos, mostra como a experiência e a perícia da tripulação, aliadas a avanços posteriores na segurança aérea, tornaram as viagens aéreas mais seguras. O voo 009, um verdadeiro gigante dos ares na época – o maior avião de passageiros já construído até então – fazia a rota Londres-Auckland, com escalas em Bombaim (atual Mumbai), Kuala Lumpur, Perth e Melbourne. Moody, 41 anos, estava acompanhado do copiloto Roger Greaves, 32, e do engenheiro de voo Barry Townley-Freeman, 40 – uma função hoje em dia extinta na aviação comercial regular devido à automação.

A equipe havia assumido o comando na perna Kuala Lumpur-Perth. Tudo parecia normal até a aeronave se aproximar de Jacarta. Em pleno voo de cruzeiro, por volta das 20h40 (horário local), uma fumaça estranha, com um forte cheiro de enxofre, chamou a atenção. Enquanto Moody estava no banheiro, na parte de trás do deck superior, a tripulação percebeu algo grave. Não era o cheiro familiar de cigarro – o hábito era comum nos anos 80 dentro dos aviões. Era algo mais sério. Na parte inferior da aeronave, comissários de bordo notavam uma fumaça crescente, suspeitando de um incêndio.

Greaves e Townley-Freeman, na cabine, observaram pela janela um brilho intenso ao redor da fuselagem – inicialmente, pensaram ser o Fogo de Santelmo, descargas elétricas comuns em regiões ionizadas da atmosfera. Mas havia algo diferente: não havia tempestades previstas, e os radares indicavam céus limpos por mais de 500 quilômetros. Passageiros próximos às janelas também viram o fenômeno.

O pesadelo começou quando, com Moody de volta à cabine, os motores começaram a falhar. Primeiro o motor 4, depois o 2, o 1 e, por fim, o 3. “Em um minuto e meio, passamos de quatro motores funcionando a nenhum”, relatou Greaves mais tarde. A 11 quilômetros de altitude, o Boeing se transformou em um enorme planador, com apenas 23 minutos estimados antes de um impacto fatal no oceano.

Um desesperado “Mayday, mayday, mayday. Speedbird 9, perdemos todos os quatro motores a 37.000 pés” ecoou no rádio. A resposta de Jacarta foi inicialmente incrédula: “Speedbird 9, vocês perderam só o motor 4?”. A interferência no rádio dificultava a comunicação. Felizmente, um piloto da Garuda Airlines, na mesma frequência, compreendeu a gravidade e alertou a torre.

Sem empuxo, o 747 descia numa razão de 15 para 1 – a cada quilômetro de descida, avançava 15 quilômetros horizontalmente. Os pilotos, em meio ao pânico silencioso da cabine, tentavam religar os motores sem sucesso. Moody fez uma curva de 180 graus em direção a Jacarta, enfrentando a perda de informações de velocidade – crucial para religar os motores. Ele subia e descia o nariz da aeronave, em uma tentativa desesperada de encontrar a janela de oportunidade.

O pavor se intensificava. A falta de pressurização na cabine, não prevista nos simuladores de voo (que não levavam em conta a dependência dos motores para o sistema de pressurização), obrigou os pilotos a usar máscaras de oxigênio – a de Greaves estava quebrada, forçando Moody a acelerar a descida para evitar que ele perdesse a consciência. Máscaras de oxigênio foram distribuídas aos passageiros, numa cena de pânico crescente. Passageiros escreviam bilhetes de despedida em guardanapos.

Para chegar a Jacarta, era preciso ultrapassar uma cadeia de montanhas na ilha de Java, exigindo pelo menos 3.200 metros de altitude. Um pouso no oceano parecia inevitável. Foi nesse momento que Moody fez seu famoso anúncio sobre o “pequeno problema”.

A sorte, porém, sorriu para os 263 ocupantes. A 3.800 metros, o motor 4 voltou a funcionar, seguido pelo 3 e, depois, pelos demais. Um alívio imenso tomou conta da aeronave, que voltou a subir para ultrapassar as montanhas. Mas o Fogo de Santelmo voltou, e o motor 2 apresentou problemas, sendo desligado novamente.

A aterrissagem em Jacarta foi um feito impressionante. Com equipamentos com defeito e sem visibilidade – as janelas estavam cobertas por uma substância que os limpadores não conseguiam remover, revelando-se posteriormente como riscos causados por partículas abrasivas – o 747 tocou a pista. Todos sobreviveram. Um milagre.

A explicação para o incidente só veio depois: o Monte Galunggung, um vulcão ativo próximo a Jacarta, havia entrado em erupção horas antes, lançando uma nuvem de cinzas invisível aos radares meteorológicos – as cinzas são secas e não contêm umidade, o que dificulta sua detecção pelos instrumentos tradicionais. Essas cinzas, extremamente abrasivas, obstruíram os motores, causando sua falha. Uma vez fora da nuvem, a pressão do ar desobstruiu os motores, permitindo o religamento.

A Rolls-Royce, fabricante dos motores, constatou danos consideráveis causados pelas partículas abrasivas. A tripulação foi condecorada pela bravura, e a aviação revisou seus procedimentos. Um incidente similar com um voo da Singapore Airlines dias depois reforçou a necessidade de medidas mais rigorosas. Hoje, serviços meteorológicos fornecem informações mais precisas sobre nuvens de cinzas vulcânicas, permitindo desvios de rotas. O incidente do voo British Airways 009 serve como um lembrete constante da importância da preparação, da perícia e da contínua evolução da segurança aérea, lembrando que, mesmo diante do pior cenário, a esperança, a competência e um pouco de sorte podem fazer a diferença entre um desastre e um milagre.

Fonte da Matéria: g1.globo.com