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A “Teoria do Louco” de Trump: Imprevisibilidade como Estratégia Geopolítica

Cientistas políticos usam o termo “Teoria do Louco” para descrever a estratégia empregada por alguns líderes, como Nixon, para obter concessões de seus adversários. A ideia? Mostrar-se imprevisível, capaz de qualquer coisa. Mas será que essa tática, tão usada por Donald Trump, funciona a longo prazo? Analistas apontam que sim, mas com brechas.

Olha só: em entrevista no mês passado, questionado sobre um possível ataque conjunto com Israel ao Irã, Trump soltou: “Posso fazer, posso não fazer. Ninguém sabe!”. Ele deixou o mundo achar que havia fechado um cessar-fogo de duas semanas para negociações com o Irã…e depois bombardeou o país mesmo assim.

A coisa mais previsível em Trump? A imprevisibilidade! Ele muda de ideia, se contradiz, é pura inconsistência. Peter Trubowitz, professor de relações internacionais na London School of Economics, crava: “[Trump] montou uma operação de formulação de políticas altamente centralizada, talvez a mais centralizada em política externa desde Richard Nixon. Isso torna as decisões políticas muito dependentes do caráter, preferências e humor dele.”

Trump, esperto, usou essa imprevisibilidade como ferramenta política, transformando-a numa espécie de doutrina. Sua personalidade, antes um problema, agora move a política externa e de segurança americana, impactando o mundo.

Essa estratégia, a “Teoria do Louco”, busca convencer o oponente de que o líder é capaz de qualquer ato, extraindo concessões por meio da intimidação. Trump acredita que tá dando certo, colocando os EUA numa posição de força. Mas e contra inimigos? Será que funciona?

A dúvida é: será que a imprevisibilidade de Trump é só blefe, ou um reflexo de sua personalidade, algo mais previsível do que parece? Se for o segundo, seus adversários podem aprender a antecipar suas ações.

**Ataques, Insultos e Abraços: A Previsibilidade da Imprevisibilidade**

A segunda gestão de Trump começou com abraços a Putin e ataques aos aliados americanos. Ele chamou o Canadá de possível 51º estado dos EUA, disse que poderia usar força militar para anexar a Groenlândia (território autônomo dinamarquês) e cogitou retomar o controle do Canal do Panamá. Até o Artigo 5 da OTAN, que garante a defesa mútua entre os membros, foi questionado por ele. Ben Wallace, ex-secretário de defesa do Reino Unido, declarou: “Acho que o Artigo 5 está sobrevivendo por aparelhos”.

Mensagens vazadas revelaram o desprezo da Casa Branca de Trump pelos aliados europeus. Pete Hegseth, secretário de Defesa, chamou os líderes europeus de “aproveitadores” em mensagens, usando termos como “PATÉTICO”. Em Munique, JD Vance, vice-presidente de Trump, declarou que os EUA não seriam mais o garantidor da segurança europeia. Trubowitz comenta: “Trump levantou sérias dúvidas sobre a credibilidade dos compromissos internacionais americanos. Qualquer acordo com os EUA, em segurança ou economia, agora está sujeito a renegociação a qualquer momento”.

Na visão de Trubowitz, a maioria da equipe de Trump vê a imprevisibilidade como algo positivo, permitindo maximizar a influência americana. “Uma lição aprendida nas negociações imobiliárias”, diz ele.

E os resultados? Há quatro meses, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer anunciou aumento nos gastos militares de 2,3% para 2,5% do PIB. Na última cúpula da OTAN, esse percentual saltou para 5%, igualado por todos os membros da aliança. Uma mudança gigantesca!

**A Teoria do Louco e Seus Precedentes**

Trump não inventou a imprevisibilidade como estratégia. Em 1968, Richard Nixon, tentando encerrar a Guerra do Vietnã, instruiu seu conselheiro Henry Kissinger a dizer aos norte-vietnamitas que Nixon era “louco” e imprevisível, para forçá-los a um acordo. Michael Desch, professor de relações internacionais na Universidade de Notre Dame, explica: “Essa é a teoria do louco”.

Julie Norman, professora da University College London, concorda que existe uma “Doutrina da Imprevisibilidade” em ação, uma característica marcante da gestão Trump.

Trump, com sucesso, usou sua reputação volátil para mudar a relação transatlântica de defesa. Alguns líderes europeus, para se manterem do lado dele, o bajularam. A última cúpula da OTAN foi um exemplo disso, com o secretário-geral Mark Rutte enviando mensagens obsequiosas a Trump (“Caro Donald”). Anthony Scaramucci, ex-diretor de comunicações de Trump, ironiza: “Rutte, ele tá te envergonhando. Ele tá rindo de você no Air Force One”.

Essa busca por adulação, ou por vitórias rápidas em detrimento de processos longos, pode ser a fraqueza da estratégia de Trump. Se seus adversários entenderem isso, sua imprevisibilidade se torna previsível.

**Adversários Resistentes e as Limitações da Teoria**

A “Teoria do Louco” funciona com todos os adversários? Nem tanto. Zelensky, apesar de ter recebido um sermão de Trump e Vance, cedeu direitos lucrativos de exploração mineral à América. Putin, por outro lado, resiste aos encantos e ameaças de Trump. Trump declarou-se “decepcionado” pela falta de disposição de Putin para encerrar a guerra na Ucrânia.

E o Irã? Trump prometeu o fim do envolvimento americano em “guerras eternas” no Oriente Médio, mas atacou instalações nucleares iranianas. Será que isso surtirá o efeito desejado? William Hague, ex-secretário de Relações Exteriores britânico, acredita que o oposto acontecerá, incentivando o Irã a buscar armas nucleares. Desch concorda: “Acho altamente provável que o Irã busque armas nucleares. A lição de Saddam e Khadafi não se perdeu para outros ditadores.” Mohsen Milani, professor da Universidade do Sul da Flórida, prevê a consolidação da República Islâmica, como ocorreu em 1980 após o ataque de Saddam Hussein ao Irã.

**Uma Perda de Confiança?**

A longo prazo, a imprevisibilidade pode não funcionar contra inimigos. E entre aliados, as mudanças causadas por Trump serão sustentáveis? É um processo baseado em impulso, e pode haver uma desconfiança nos EUA como negociador. Norman argumenta: “As pessoas não farão negócios com os EUA se não confiarem neles, se não tiverem certeza do apoio americano em defesa e segurança. O isolamento que muitos no movimento MAGA buscam pode sair pela culatra”.

Friedrich Merz, chanceler alemão, defende a independência operacional da Europa em relação aos EUA. Trubowitz comenta: “A importância disso é o reconhecimento de que as prioridades estratégicas dos EUA mudaram e não voltarão às de antes de Trump. A Europa terá que se tornar mais independente.” Desch acrescenta que isso exigirá uma indústria de defesa europeia muito maior, algo que levará anos para ser construído.

Então, a imprevisibilidade de Trump causou mudanças significativas na segurança ocidental? Trubowitz afirma que sim, mas que Trump também desencadeou mudanças na política americana, com prioridades diferentes. Milani acredita que Trump busca consolidar o poder americano na ordem global, não mudá-la.

A divergência de prioridades entre EUA e Europa é clara. Os aliados europeus, por meio de elogios e mudanças políticas, mantiveram Trump do seu lado (ele reafirmou o compromisso com o Artigo 5). Mas a imprevisibilidade de Trump torna isso incerto. A dependência complacente dos EUA para a defesa europeia acabou. Apesar de sua origem em uma combinação de estratégia e traços de caráter, a “Doutrina da Imprevisibilidade” de Trump está funcionando, pelo menos por enquanto, em algumas situações.

Fonte da Matéria: g1.globo.com