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O Dia em que o USS Vincennes Abateu o Voo Iran Air 655: Uma Tragédia Envolta em Erros e Tensões

Quase 40 anos se passaram, e a memória da queda do voo Iran Air 655 ainda dói no Irã. A tragédia, que vitimou 290 pessoas – incluindo 65 crianças – em 3 de julho de 1988, é um dos capítulos mais sombrios da história das relações entre EUA e Irã. Sabe? Aquele dia, um domingo, marcou para sempre a vida de muitas famílias iranianas. As imagens de corpos flutuando no Golfo Pérsico, transmitidas pela TV, chocaram o país. Até hoje, anualmente, parentes das vítimas lançam flores ao mar em sinal de luto.

O que aconteceu? Um cruzador de mísseis guiados americano, o USS Vincennes, abatido o Airbus A300 durante a Guerra Irã-Iraque. A justificativa dos EUA? Identificação equivocada. Eles alegaram ter confundido o avião civil com um caça F-14 iraniano, em meio à tensão no Estreito de Ormuz. Mas será que foi só isso?

O Vincennes, lançado em 1984, era a “menina dos olhos” da Marinha americana, equipado com a tecnologia de ponta do sistema Aegis. Ele fazia parte da Operação Earnest Will, escoltando navios no Golfo Pérsico, em meio aos ataques entre Irã e Iraque. Olha só: o cenário era de guerra aberta, com ambos os países atacando petroleiros para sufocar a economia um do outro. O Irã, inclusive, cogitava bloquear o Estreito de Ormuz, um ponto crucial para o comércio marítimo.

Naquela manhã, a história começou com uma série de erros de julgamento e falhas de comunicação. Primeiro, a fragata USS Elmer Montgomery avistou lanchas iranianas perto de um navio paquistanês. A partir daí, uma sequência de eventos levou à tragédia. Um helicóptero do Vincennes foi enviado para verificar a situação, mas o tenente Mark Collier, ao invés de retornar, decidiu acompanhar os barcos iranianos. Ele relatou um ataque ao Vincennes, mesmo sem ter sido atingido diretamente.

A partir daí, o Capitão William Rogers III, comandante do Vincennes, interpretou o relato como uma agressão, acionando as regras de engajamento – regras essas que haviam sido flexibilizadas após o ataque ao USS Stark em 1987. Me parece que, num contexto tão tenso, a pressão por uma resposta rápida superou a cautela necessária.

O Vincennes se posicionou para atacar, detectando um possível F-14 no radar. Nesse momento, o Airbus A300 da Iran Air, voo 655, decolou de Bandar Abbas, com destino a Dubai. O comandante Mohsen Rezaian, treinado nos EUA, seguia os procedimentos de identificação, inclusive usando o código transponder civil. Mas a confusão já estava armada.

Na sala de comando do Vincennes, a tensão era palpável. O operador de rádio detectou a decolagem, e a identificação IFF inicialmente indicava um avião civil. Mas a dúvida persistiu. Uma série de mensagens de rádio foram enviadas pelo Vincennes, mas a comunicação falhou por diversos motivos. Uma das mensagens do USS Vincennes, por exemplo, usava a velocidade em relação ao solo, enquanto o Iran Air 655 usava a velocidade em relação ao ar. A tripulação do Airbus, possivelmente, acreditou que a comunicação não era dirigida a ele.

O operador de rádio do Vincennes, Andrew Anderson, gritou “Possível Astro!”, identificando um possível F-14. A situação se agravou quando a tripulação percebeu o que parecia ser uma manobra de ataque. A “confirmação de cenário”, como aponta o relatório do Almirante William Fogarty, levou Rogers a acreditar que a aeronave era hostil. Em questão de segundos, dois mísseis SM-2 Block II foram lançados, atingindo o Iran Air 655. A alegria inicial deu lugar a um horror indescritível.

O relatório de Fogarty, concluído em 1991, reconheceu falhas no sistema Aegis e na interpretação dos dados, atribuindo o incidente à “névoa da guerra”. Ele não culpou diretamente Rogers, mas o Irã também foi responsabilizado por permitir a decolagem de aeronaves civis perto de uma zona de conflito. Na real, a investigação da ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional) também apontou falhas de comunicação.

Após o incidente, o USS Vincennes foi condecorado, o que gerou indignação no Irã. A versão oficial americana nunca convenceu Teerã, que sempre acusou os EUA de terem abatido intencionalmente o avião. Em 1996, os EUA pagaram uma indenização às famílias das vítimas, mas nunca pediram desculpas formais. A reportagem da Newsweek, em 1992, revelou ainda que o Vincennes havia invadido o espaço aéreo iraniano. O capitão Rogers foi descrito como “belicoso”, ansioso por um combate, talvez buscando uma promoção que nunca alcançou.

A tragédia do Iran Air 655 permanece como um exemplo de como erros de julgamento, falhas de comunicação e a pressão do conflito podem levar a consequências devastadoras. É um lembrete constante da necessidade de cautela e da importância de evitar a “névoa da guerra”, que obscurece a verdade e ceifa vidas inocentes.

Fonte da Matéria: g1.globo.com