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Brics no Rio: Um encontro sob tensão entre multipolaridade e anti-ocidentalismo

De 6 a 7 de julho, o Rio de Janeiro recebeu a 17ª cúpula do Brics, um encontro crucial para o bloco que reúne algumas das economias de maior crescimento mundial. A reunião, presidida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aconteceu num cenário complexo: o desafio de enfrentar o protecionismo das nações desenvolvidas, a expansão do grupo com novos membros e a necessidade de contornar as disputas internas. Afinal, o Brics aposta na multipolaridade ou se define como uma voz anti-Ocidente? Essa é a grande questão.

Líderes como o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, marcaram presença. Porém, Vladimir Putin, presidente russo com um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes de guerra na Ucrânia, ficou de fora.

A história do Brics começa em 2001, com o economista do Goldman Sachs, Jim O’Neill. Ele cunhou o termo “Bric” (Brasil, Rússia, Índia e China), identificando essas nações como economias de crescimento acelerado, com potencial para se tornarem potências globais até 2050. O PIB robusto, as grandes populações e a crescente influência global eram fatores-chave. Apesar das diferenças ideológicas e sociais, os países começaram a trabalhar juntos, inicialmente de forma informal.

O bloco surgiu, na prática, como um contraponto ao G7 (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão). A primeira cúpula oficial aconteceu em Ekaterinburg, na Rússia, em 2009. Um ano depois, a África do Sul se juntou ao grupo, completando o acrônimo “Brics”.

Desde então, o Brics tem sido visto como um desafio à ordem mundial liderada pelos EUA desde a Segunda Guerra. Os membros originais defendem uma ordem multipolar e mais espaço para os países em desenvolvimento no cenário global. Criaram alternativas ao Banco Mundial e ao FMI, financiando projetos de infraestrutura e oferecendo suporte financeiro em crises. A ambição de criar uma alternativa ao dólar americano no comércio internacional, embora ainda em desenvolvimento, já causou atritos, como as ameaças de sobretaxas por parte de Donald Trump. Seguindo a linha do G20, o Brasil tem defendido no Brics a taxação de grandes fortunas e criticado o unilateralismo e o protecionismo americanos. Mas, por outro lado, as tensões internas sobre o papel anti-Ocidente do bloco são inegáveis.

A expansão do Brics é notável. Além dos cinco membros originais, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Indonésia ingressaram. A Argentina recebeu convite, mas recusou. O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) define o Brics, em relatório preliminar para a cúpula, como “a primeira associação transregional de Estados não ocidentais”. Apesar da informalidade – sem tratado fundador, estrutura administrativa permanente ou sede – o Brics se tornou uma força geopolítica e econômica significativa, representando mais de 40% da população mundial e mais de um terço do crescimento econômico global (baseado na paridade do poder de compra), superando o G7.

O controle de importantes mercados de commodities, como petróleo (cerca de 40% da produção global, impulsionado pela entrada de Irã e Emirados Árabes) e terras raras (quase três quartos do estoque global), demonstra a força do grupo. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) já aprovou mais de US$ 39 bilhões (R$ 210 bilhões) para 120 projetos. O comércio entre os membros ultrapassou US$ 1 trilhão (R$ 5,4 trilhões), com crescente uso de moedas locais e sistemas de pagamento alternativos ao SWIFT. No entanto, a criação de uma moeda única enfrenta resistência interna, principalmente da Índia, preocupada com a influência chinesa.

A expansão continua. 44 países solicitaram formalmente a adesão ou tomaram medidas para ingressar. A criação da categoria de “países parceiros” (Brics+), incluindo Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão, na cúpula de outubro de 2024, foi um passo importante. Outros países, como Arábia Saudita (listada no site do Brics como membro, apesar de não ter confirmado a adesão), Azerbaijão, Bangladesh e muitos outros demonstram interesse. Porém, a entrada da Turquia foi vetada pela Índia, e a da Venezuela pelo Brasil.

O futuro do Brics é incerto. A multipolaridade e o protecionismo americano podem fortalecer o bloco, mas as divisões internas e os interesses nacionais concorrentes podem atrapalhar o progresso. A China e a Rússia o veem como um contraponto à hegemonia ocidental, enquanto Índia e Brasil priorizam a cooperação econômica. Novas adesões geram atritos: rivalidades preexistentes, como entre China e Índia, ou entre Irã e Arábia Saudita, podem dificultar o consenso. A desdolarização enfrenta obstáculos, incluindo a dependência do dólar e as restrições chinesas ao yuan. As sanções impostas à Rússia e ao Irã mostram os riscos de depender do sistema financeiro ocidental, incentivando a busca por alternativas. As disparidades econômicas entre os membros (a China tem um PIB muito maior que a África do Sul ou a Etiópia) também são um desafio. A aliança entre democracias e autocracias no bloco gera preocupações. Jim O’Neill, criador do termo Bric, chegou a declarar o projeto um fracasso.

Em resumo, a cúpula do Brics no Rio de Janeiro foi um evento significativo, mas repleto de desafios. O futuro do bloco dependerá da capacidade de seus membros de navegar entre a ambição de uma ordem multipolar e as complexas realidades geopolíticas e econômicas do século XXI.

Fonte da Matéria: g1.globo.com