Em meio a divergências com o presidente argentino, Javier Milei, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu em defesa do Mercosul nesta quinta-feira (3), durante a cúpula do bloco em Buenos Aires. Lula, que assumiu a presidência rotativa do Mercosul por seis meses, afirmou que a participação no bloco “protege” os países membros de guerras comerciais e os fortalece internacionalmente. “Olha só, toda a América do Sul tá numa área de livre comércio, com regras claras. Estar no Mercosul nos protege, sabe? Nossa tarifa externa comum nos blinda, e nossa estrutura nos dá credibilidade lá fora”, declarou o presidente brasileiro.
A visão de Lula contrasta fortemente com a de Milei, que criticou duramente o bloco econômico. Para o presidente argentino, o Mercosul impõe restrições que prejudicam a maioria da população, criando uma espécie de “cortina de ferro” comercial. “Na real, se o Mercosul nasceu com a boa intenção de integrar as economias, em algum momento ele se perdeu. A ação conjunta acabou prejudicando a maioria dos cidadãos para beneficiar alguns setores”, disparou Milei. Ele ainda acrescentou que as barreiras comerciais criadas pelo bloco acabaram isolando os países membros do comércio global, resultando em produtos e serviços de pior qualidade e preço.
A divergência entre os dois líderes reflete um debate mais amplo sobre o futuro do Mercosul. Há uma discussão intensa sobre a possibilidade de acordos comerciais bilaterais fora do bloco. O Uruguai, por exemplo, sob o comando de Luis Lacalle Pou (até este ano), buscou um acordo separado com a China. Seu sucessor, Yamandú Orsi, agora precisa lidar com essa herança. Milei, por sua vez, defende a adoção de medidas de “liberdade comercial” no Mercosul, sugerindo flexibilização das regras caso isso não aconteça.
Lula, assumindo a liderança do Mercosul, prioriza o fortalecimento do comércio interno e externo. Ele quer incluir os setores automotivo e açucareiro na união aduaneira e se disse confiante na assinatura, até o final do ano, dos acordos de livre comércio com a União Europeia e a EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio). Além disso, o presidente brasileiro pretende avançar nas negociações com Canadá, Emirados Árabes Unidos, Panamá e República Dominicana, além de atualizar os acordos com Colômbia e Equador. Em um momento de guerra tarifária entre EUA e China, Lula defende que o Mercosul olhe para a Ásia: “É hora de olhar para a Ásia, um centro dinâmico da economia mundial. A gente se beneficia muito aproximando-se de Japão, China, Coreia, Índia, Vietnã e Indonésia”, afirmou.
O Mercosul, que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (com a Bolívia em processo final de adesão), busca gerar oportunidades comerciais e de investimentos para seus membros. O bloco já firmou diversos acordos comerciais, políticos e de cooperação com outros países e grupos de países ao redor do mundo.
Em relação à transição energética, Lula destacou a COP 30, em Belém, como oportunidade para mostrar que a América do Sul detém soluções para a crise climática. Ele alertou para a velocidade das mudanças climáticas e para a necessidade de ações conjuntas na busca por investimentos em tecnologia e combate ao crime organizado. “Me parece que os países da região podem ser o coração dessa transição, porque já temos matrizes mais limpas”, disse Lula.
A cúpula em Buenos Aires marcou a primeira viagem de Lula à Argentina desde a posse de Milei em dezembro de 2023. Apesar da proximidade diplomática entre os países, as relações entre os dois presidentes são marcadas por divergências ideológicas e ausência de reuniões bilaterais oficiais. Na cerimônia, houve apenas um cumprimento cordial, segundo relatos. A interação entre as delegações se mantém pragmática, conduzida pelos ministérios e chancelarias. Vale lembrar que, durante a campanha, Milei fez diversas críticas a Lula e ao PT, e em uma visita ao Brasil em 2024, reuniu-se apenas com Jair Bolsonaro. Lula, por sua vez, se reuniu com o presidente paraguaio, Santiago Peña, e posteriormente com o boliviano, Luis Arce Catacora.
Finalmente, Lula, à frente do Mercosul até dezembro, pretende acelerar as negociações para o acordo de livre comércio com a União Europeia, um processo que se arrasta há mais de duas décadas. Se aprovado, será a maior zona de livre comércio do mundo, mas enfrenta resistência de alguns países europeus, como a França, preocupada com o impacto em seus produtores rurais. Lula acredita que a atual conjuntura internacional, com as tarifas impostas pelos EUA, pode pressionar a União Europeia a assinar o acordo. Ele também conduzirá os trâmites para implementar um acordo com a EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça), cujas negociações foram concluídas e o texto está em revisão, com previsão de divulgação em agosto. Esse acordo criará uma zona de livre comércio com quase 300 milhões de pessoas e um PIB combinado superior a US$ 4,3 trilhões.
Fonte da Matéria: g1.globo.com