Quarenta e dois milhões de americanos dependem do SNAP, o programa federal de auxílio alimentar. Mas esse apoio, vital para milhões de famílias, tá na corda bamba. Um megapacote de cortes de impostos, o famigerado “one big beautiful bill” de Trump, pode acabar com o benefício de muita gente. A aprovação dessa “beleza” no Congresso deixa muita gente com o coração na mão.
Elizabeth Butler, de Martinsburg, Virgínia Ocidental, sabe bem como é a luta. Ela pula de um supermercado para outro, caçando os melhores preços pra alimentar sua família de três. Mesmo com o auxílio do SNAP, o dinheiro some rapidinho. “Nossa comida não chega a durar um mês”, desabafa ela. E agora, com a ameaça de cortes, o medo é ainda maior.
O SNAP, que é tipo um Bolsa Família americano, ajuda famílias de baixa renda, idosos, pessoas com deficiência. Na Virgínia Ocidental, um Estado com alta taxa de pobreza (16% da população depende do SNAP), a preocupação é gigante. Ironia do destino? A Virgínia Ocidental, um reduto republicano que votou maciçamente em Trump, pode ser uma das mais afetadas. Afinal, durante a campanha, Trump prometeu baixar o custo de vida, inclusive o preço dos alimentos. “Quando eu vencer, começarei imediatamente a baixar os preços, a partir do primeiro dia”, declarou Trump em 2024, cercado de produtos alimentícios numa coletiva de imprensa. Só que, na prática, os preços de itens básicos como ovos e bacon estão mais altos do que no ano passado!
Elizabeth lembra bem da promessa: “O presidente ainda não alterou os preços dos alimentos, e ele prometeu às pessoas que faria isso”. Trump, por sua vez, garante que os cortes no projeto de lei de mil páginas vão *diminuir* os preços dos alimentos – sem explicar como, claro. “O corte dará a todos muito mais comida, pois os preços irão despencar, os mantimentos irão cair”, afirmou ele, sobre os cortes no SNAP. A Casa Branca, numa tentativa de acalmar os ânimos, declarou que a lei “irá fortalecer o SNAP com medidas de compartilhamento de custos e exigências de trabalho baseadas no bom senso”. Ah, tá.
A verdade é que os republicanos estão divididos sobre como financiar programas sociais. Uns acham que o governo precisa equilibrar o orçamento, outros defendem os programas sociais, especialmente em regiões mais pobres. O projeto prevê cortes de US$ 211 bilhões (cerca de R$ 1,15 trilhão) em programas como o SNAP e o Medicaid. Teoricamente, a aprovação seria tranquila, já que os republicanos controlam o Congresso e a Casa Branca. Mas, na prática, não tá sendo tão fácil assim. Cortar programas populares como o SNAP e o Medicaid? Não é uma tarefa simples, não.
A insatisfação tá evidente. Relatos de frustração e dissidência interna no partido republicano começaram a pipocar. O senador Jim Justice, da Virgínia Ocidental, alertou seus colegas sobre as consequências eleitorais: “Se não tomarmos cuidado, as pessoas serão prejudicadas, as pessoas ficarão irritadas. Será a principal manchete dos noticiários noturnos em toda parte. E poderemos muito bem acordar com uma situação neste país em que a maioria rapidamente se torna minoria.”
Uma pesquisa da Associated Press e do Centro NORC mostra que 45% dos americanos acham que o SNAP recebe pouco dinheiro, enquanto apenas 25% acham que recebe demais. Não é a primeira vez que o Partido Republicano tenta cortar o SNAP, mas dessa vez, segundo a professora Tracy Roof, da Universidade de Richmond, a situação é diferente. “Uma questão que meio que diferencia este período das tentativas anteriores de cortar programas de assistência social é a disposição dos congressistas republicanos de votar em coisas que aparentemente preocupam muitos deles longe das câmeras”, afirma ela. A professora atribui isso ao medo de contrariar Trump e à facilidade de reeleição de muitos congressistas.
A reportagem tentou contato com o deputado Riley Moore, representante de Martinsburg, mas não obteve resposta. Moore votou a favor do projeto inicial que incluía os cortes. Já o senador Josh Hawley, inicialmente crítico, suavizou sua posição, declarando que “sempre apoiou” a maior parte dos cortes do Medicaid e que “aceitaria” a maior parte do projeto de lei.
Jordan, um pai de dois filhos que sobrevive graças ao SNAP há três anos (pediu para não divulgar o sobrenome), recebe cerca de US$ 700 (cerca de R$ 3.800) por mês para alimentar sua família. Mesmo assim, a situação é difícil. Com a esposa tendo dificuldades para trabalhar e cuidar dos filhos, ele diz que vai precisar de um segundo emprego se o SNAP for cortado. “Vou certamente fazer tudo o que puder para alimentar minha família”, afirma ele, com a voz carregada de preocupação.
Cameron Whetzel, de 25 anos, cresceu dependendo do SNAP. Hoje, ele ganha US$ 15 (R$ 81,50) por hora, mas mesmo assim está acima do limite para receber o benefício. “Não importa o fato de que preciso dobrar meu salário para conseguir comprar mantimentos”, desabafa ele. “Não compramos ovos há quatro meses, simplesmente porque eles estão caros demais.” A frustração é grande com a falta de compreensão dos congressistas em Washington. “Fazer um corte federal que recai sobre um Estado que já está em dificuldades parece meio que chutar um cavalo que está caído”, critica Whetzel. “Quer você acredite em um governo pequeno ou grande, o governo precisa cuidar das pessoas, de alguma forma.”
*Com colaboração de Meiying Wu e Bernd Debusmann Jr.*
Fonte da Matéria: g1.globo.com