Em Dresden, Nova York, um vilarejo pacato às margens do Lago Seneca, o meio-dia é marcado pelo som familiar do apito de incêndio. Para os cerca de 300 moradores, é só mais um dia normal. Mas um novo ruído, persistente e irritante, vem quebrando a tranquilidade: o zumbido constante da usina Greenidge Generation.
Essa usina, antigamente movida a carvão, agora funciona a gás natural, fornecendo energia para o estado em momentos de pico de demanda. Desde 2019, porém, ela abriga também uma gigantesca fazenda de mineração de bitcoin, operação que consome energia em escala industrial. O barulho, segundo moradores, varia de um zumbido quase imperceptível, como uma geladeira distante, a um rugido ensurdecedor, dependendo da direção do vento.
Winton Buddington, morador de Dresden, lembra com saudade da tranquilidade da vila antes de 2017, quando a Atlas Holdings comprou a usina. A aposentada Beth Cain, enfermeira, destaca os impactos da poluição sonora na saúde: “É um estresse constante, tipo um zumbido no ouvido, sabe?”. E o barulho não é a única preocupação. A usina despeja água quente no lago, além de emitir dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa.
Yvonne Taylor, vice-presidente dos Guardiões do Lago Seneca, um grupo ambiental, resume o temor da comunidade: “Nossa economia depende do turismo e da produção de vinhos. Ar e água limpos são fundamentais, e a Greenidge tá ameaçando tudo isso”. A região, com suas vinícolas e fazendas menonitas, atrai muitos turistas.
A mineração de bitcoin em larga escala exige muita energia. Em 2021, a Greenidge destinava cerca de 44 megawatts para essa atividade – energia suficiente para abastecer até 40 mil casas, dependendo do consumo. Essa demanda energética gera, consequentemente, altas emissões. Dados da própria Greenidge, analisados pelo Earthjustice, apontam para quase 800 mil toneladas de dióxido de carbono e equivalentes de CO2 emitidos em 2023 – o equivalente às emissões de mais de 170 mil carros.
No início de 2024, segundo a Energy Information Administration (EIA), existiam 137 plantas de criptomineração nos EUA. Com a flexibilização das regras para criptomoedas sob o governo Trump, autoproclamado “presidente das criptomoedas”, a expectativa é de expansão do setor. “Trump vai facilitar a vida das grandes mineradoras, principalmente no Texas”, prevê Troy Cross, professor de filosofia do Bitcoin Policy Institute. O Texas, grande produtor de energia fóssil e também de energia renovável, se apresenta como um local atrativo. Trump, inclusive, criou um grupo de trabalho para regulamentar o setor e anunciou uma reserva nacional de ativos digitais, uma reviravolta em sua antiga posição contrária às criptomoedas.
Taylor critica a expansão das fazendas de mineração, comparando-a a “um câncer se espalhando pelo país”. Ela argumenta que empresas do setor se aproveitam de comunidades rurais com promessas de empregos, promessas que, em Dresden, parecem vazias. Em 2022, a Greenidge empregava 48 pessoas, quase o mesmo que um McDonald’s, ironiza Taylor.
Margot Paez, também do Bitcoin Policy Institute, considera a estratégia da Greenidge de usar gás natural para alimentar a mineração de bitcoin “terrível”. Ela defende o uso de energias renováveis ou, pelo menos, que as mineradoras contribuam para o equilíbrio energético da rede. Uma avaliação preliminar do estado de Nova York sobre 11 instalações de criptomoedas indica que o consumo de energia dessas plantas pode atrapalhar as metas de transição para energias renováveis.
Outro problema grave é o consumo de água. Para resfriar os computadores, a Greenidge retira até 525 milhões de litros de água do Lago Seneca diariamente, devolvendo cerca de 507 milhões, porém, a uma temperatura muito mais alta: entre 30°C no inverno e 42°C no verão. Isso deixa o lago muito quente para os banhistas e ameaça a vida aquática, podendo causar florações de algas nocivas. De fato, o número de florações aumentou drasticamente de 50 em 2023 para 377 em 2024. Essas algas podem causar problemas de saúde, de erupções cutâneas a vômitos.
Os moradores de Dresden já recorreram à justiça, sem sucesso até o momento. Eles também procuraram o grupo de trabalho de criptomoedas de Trump, relatando os impactos negativos, mas não obtiveram resposta.
O impacto econômico também é uma preocupação. Proprietários que alugam imóveis para turistas temem a queda na procura devido à proximidade com a usina. Em Geneva, cidade vizinha, Vinny Aliperti, dono da vinícola Billsboro, teme pelo futuro: “Lagos limpos são essenciais para o turismo. É o que atrai as pessoas para cá”.
A Greenidge, que se autodenomina “líder ambiental” em seu site, não se manifestou. A administração da cidade de Torrey, responsável por Dresden, afirma que a usina cumpre todas as exigências legais, inclusive um estudo de ruído independente. A empresa também fez doações à comunidade, mas para Buddington, isso não compensa os danos ambientais. “Eles fizeram algumas coisas boas, mas não compensa a poluição e o impacto ambiental”, finaliza.
Fonte da Matéria: g1.globo.com