A derrota do presidente Javier Milei nas eleições provinciais de Buenos Aires, a maior província argentina, é um duro golpe para seu governo. A oposição peronista, liderada por Axel Kicillof, conquistou uma vitória esmagadora, obtendo 47,3% dos votos contra 33,7% do partido de Milei, “La Libertad Avanza”, com 99% das urnas apuradas. Isso representa uma diferença de 13,6 pontos percentuais, um resultado bem pior do que as previsões mais pessimistas para o governo. A província de Buenos Aires concentra quase 40% do eleitorado argentino, tornando essa derrota um revés significativo para Milei.
Essa surra eleitoral, que aconteceu após denúncias de corrupção envolvendo a irmã do presidente, Karina Milei, complica bastante as perspectivas de Milei para as eleições legislativas de outubro. Essas eleições são cruciais para a governabilidade do país e para a viabilidade de seu plano econômico. Estavam em jogo 46 cadeiras na Câmara de Deputados e 23 no Senado, além da eleição de vereadores em 135 municípios da província (exceto a cidade de Buenos Aires). De dez eleições provinciais realizadas este ano, Milei venceu apenas duas.
Olha só: o governador Kicillof se consolida como principal figura da oposição para as eleições presidenciais de 2027, após esse resultado. Para o analista político Cristian Buttié, da CB Consultores, a derrota de Milei em Buenos Aires, mesmo sendo uma eleição provincial, tem peso nacional. “O envolvimento pessoal de Milei na campanha faz com que a responsabilidade pela derrota seja atribuída diretamente a ele”, afirma Buttié à RFI.
A situação econômica também está em jogo. Antes da votação, o governo considerava um empate ou uma derrota pequena (abaixo de cinco pontos) como um resultado aceitável. Milei, inclusive, participou ativamente da campanha, tratando a disputa como tecnicamente empatada. Mas a derrota acachapante, superior a 13 pontos, pegou até a oposição de surpresa. Essa diferença é praticamente impossível de reverter até outubro.
Sem um bom desempenho nas legislativas, Milei não terá o apoio parlamentar necessário para aprovar reformas essenciais para sua agenda, como as reformas tributária, trabalhista e previdenciária. Sem essas reformas, atrair investimentos estrangeiros fica muito difícil, comprometendo seu plano econômico e a estabilidade do governo. A possibilidade de um retorno do peronismo ao poder em 2027, como em 2019, também assusta os investidores. Além disso, Milei precisa de pelo menos um terço do Congresso para se defender de um eventual processo de impeachment, considerando as denúncias de corrupção que o atingem.
Para Alejandro Catterberg, diretor da Poliarquia, o governo de Milei enfraqueceu nos últimos dois meses. “O plano econômico perdeu força, a situação política se agravou com as denúncias de corrupção, e a situação já era delicada pelos vetos presidenciais a aumentos de aposentadorias e auxílios a deficientes”, analisa Catterberg. Ele completa: “O governo perdeu o controle do Congresso, os mercados veem um governo desorientado, sem controle da agenda política e obrigado a vetar medidas populares.”
Na real, o caso de corrupção, revelado por áudios vazados que acusam a irmã do presidente, Karina Milei, de coordenar desvios de recursos na compra de medicamentos, prejudicou a imagem de Milei. Ele perdeu a credibilidade no discurso anticorrupção, beneficiando o peronismo, liderado por Cristina Kirchner, que já cumpriu pena por corrupção.
Catterberg é enfático ao apontar os erros de Milei: “Erros na relação com aliados, na gestão da economia, na escolha de candidatos e, com seu estilo agressivo, ele brigou com todo mundo”. Buttié complementa: “O ajuste fiscal de Milei atingiu de forma cruel os mais vulneráveis, principalmente as pessoas com deficiência. Roubar 8% do orçamento destinado a esse grupo é criminoso.”
A inflação, embora tenha caído, continua alta (em torno de 2% ao mês), próxima dos níveis do segundo mandato de Kirchner. Para controlar a inflação, o peso argentino é artificialmente valorizado, tornando a Argentina um dos países mais caros do mundo. As taxas de juros estão em 80% ao ano, causando uma recessão desde abril.
Milei admite erros políticos, prometendo mudanças para outubro, mas garante que não recuará em sua política econômica. Já Kicillof, o grande vencedor, afirma que a vitória do peronismo “põe um freio em Milei”. Ele critica o governo por cortar obras públicas, maltratar aposentados e abandonar pessoas com deficiência.
A derrota de Milei já causa tensão nos mercados financeiros argentinos. Nesta segunda-feira (08), bolsas e câmbio despencaram. O governo deve intervir para conter a desvalorização do peso, possivelmente usando dólares do Tesouro e, se necessário, recursos do FMI, já que as reservas internacionais são negativas. Essa situação se antecipou em relação às projeções do JP Morgan, que previa uma intervenção do Banco Central em outubro caso o peronismo vencesse expressivamente.
Para Catterberg, a necessidade de reconfiguração política e econômica do governo de Milei se tornou urgente. A responsabilidade de estabilizar a economia e redefinir a estratégia eleitoral para outubro recai sobre o presidente.
Fonte da Matéria: g1.globo.com